05/03/2013

Umbigo

Eu, criança ainda, enfiava o dedo no fundo do meu umbigo. Fazia umas cócegas. Daquelas cócegas que  dão mais vontade de gritar do que de rir. Eu não costumava gritar. Ou talvez eu fizesse em silêncio. Meus gritos. Eu, criança ainda, rabiscava muitos papeis. Por vezes usava dois ou três lápis de cor juntos.
Eu, agora, estava cutucando alguns pensamentos e enfiando o dedo no fundo do meu ouvido tirei um monte de palavras emboladas de lá. Elas estavam sem forma e já não diziam coisa alguma. Minhas palavras, assim como eu, aprenderam a ser silenciosas. Eu, agora, por falta de lembrar alguma poesia que pudesse traduzir o meu silêncio, minhas cócegas ou meu grito, comecei a escrever essas linhas. Na verdade também porque sempre gostei de rabiscar. Eu acredito nos meus rabiscos. Percebi outro dia que a poesia morreu. Já não sei mais o que chamar de poesia porque por muito tempo eu mesma era poesia; minhas cócegas, meus gritos, meu silêncio. Lamento dizer que me acostumei com tais ruídos e não reconheço mais poesia em nenhum deles. Estou feliz, ainda, porque meu umbigo ainda sente cócegas e eu ainda gosto de rabiscar. Se não fosse assim, eu morria junto com a minha poesia. 
Minha mãe nasceu de palavras. E eu sou nascida de luz. Desde meu nascimento eu sou uma concha furta cor que rabisca todas as cores da luz e escreve na areia todas as palavras da história. Se há algo que eu sou é o que eu não sou; sou o limite entre o silêncio e o grito: eu mesma sou silêncio, palavra e grito. Palavra é pouco mais do que luz. A minha mãe era mais real do que eu sou; minha mãe me imaginou, assim como a palavra imagina a luz, assim como os olhos imaginam luz quando leem a palavra luz. Sei que minha mãe e todos seus irmãos já fizeram um bom trabalho com as palavras. Há poesia no mundo há muito tempo;
Mas mamãe está cansada e não quer mais fazer poesia. Ela quer que as palavras mergulhem num umbigo quieto e deitem lá no fundo, para eu poder afundar meu dedo até o fim do meu corpo, até o limite de nós duas, e sentir minhas cócegas, em silêncio.