29/09/2017

édipo nada

klaus aquele dia foi sua última infância. depois de tantos anos, meu filho, tão rápido, meu filho. na cara a barba giletada crescendo testosteronamente em grossos folículos, alguns inflamados, meu filho, com a cara salpicada de sangue.

quando passou o tempo? eu ainda te peço colo de criança, eu ainda te beijo pra dormir. eu sou sua filha, meu filho. me chama de mãe pro resto da vida? seria estranho de outra forma, mãe - que palavra triste já parece choro quando se diz;

meu filho o que aconteceu ontem que hoje você acordou tão enorme? você já é um homem, meu filho, um homem não sei mãe o que é ser um homem, você não soube nunca dizer dos homens outras palavras que não derivassem do ódio eu odeio minhas camisas brancas minhas cuecas eu odeio mãe o meu gogó, não quero ser homem, eu não posso olhar o mundo neste espelho grosseiro com essas marcas de sangue na minha cara, mãe, para onde eu posso ir sem ser homem lugar nenhum, meu filho.
pois hoje é o dia em que nunca mais me chamarás de mãe e nem eu te verei meu filho.
amanhã voltarei de cabelos brancos, você vai me procurar nos olhos cataratas, nas mãos ossas e você será um cavalo mais bonito que uma criança, um cavalo que como se fosse gente carrega um pequeno cavaleirozinho aqueles hominho que pensa que é, homem, meu filho você precisa comer todo o feno, você precisa tomar cuidado com essas rédeas, meu filho;

você não quer ser homem? corajoso cavaleiro de armadura dourada, gravada com o sol no peito? a criança, meu filho só pode ser uma metáfora, você quem me ensina de poesia, sabe...
todas são medrosas, ser homem, meu filho é ser uma pessoa corajosa, é você errar o caminho certíssimo mais quixote que Odisseu meu filho robin hood meu filho você se lembra das histórias que eu te contei? eu não posso mais ser sua mãe
eu preciso voltar para o meu bosque roxo roxo lá eu vivo com animais sábios, os filhotes aprendem a rugir com medo, vou te dar este presente

todo ocidente procurou este tesouro que eu vou te entregar agora o último beijo de boa noite, essa é a última história, Klaus, amanhã você será você mesmo e eu serei eu outra, acabou sua mãe, só órfão você vai aprender o caminho para o bosque roxo ou azul que você prefere, não procure por mim mais porque eu morri hoje, Klaus, você vai no caminho do castelo que será do cavaleiro que você é, você vai caminhar até o sol, entendeu, Klaus? se você se perder no caminho a hiena vai te pegar e não vai ser brincadeira nenhuma, ela vai arrancar a sua perna se você não estiver montado nas suas costas de cavalo, sendo você um cavaleiro, Klaus, um homem tão bonito que o ódio das guerras todas as guerras que os homens já combateram, elas vão ser finalmente apagadas as guerras se tornarão brincadeiras infantis porque você ensinará os homens a golpearem moinhos, a resgatarem gatinhos em árvores, você vai lembrar todas as palavras de todos os profetas e vai dizê-las, Klaus, você está vendo como o ódio é uma corrente elétrica 220w? como você vai usar essa energia, Klaus? lembre-se que 110 queima. Klaus, as histórias que eu te contei, Klaus, seja virtuoso como Zaratustra, não vai vacilar, Klaus e desmaiar no sol do meio dia, você já cresceu, não é mais meu filho

era. é um passado bom de se lembrar, Carmen. Tão bonito aprender seu nome. Me sinto já fortalecido, longe da vulnerabilidade de não reconhecer as garrafas envenenadas, eu sei o que me mata. a criança que insiste em se agarrar nas pernas adultas eu mesmo estou me arrastando sem poder caminhar com o queixo erguido, o muleque vai ser um desenho no meu escudo. um filme na minha cabeça, antes de dormir, que me leve para o bosque azul azul. qualquer dia eu vou te visitar, Carmen, alguma tarde lilás me levará até a sua companhia já transformada, eu te encontro e você me presenteia o sol, a armadura para o meu peito, você vai me olhar nos olhos e quando anoitecer se despedirá com um abraço e sua mão no meu rosto sorrindo eu a rir bem alto, logo monto meu cavalo, empina ele que é exibido e grito um adeus cheio de coração. Você me ensinou assim. Está correto?

ao piscar os olhos, quando perguntou nem percebeu o instante em que ela desapareceu. bruxa! e ele não aguentou a risada que explodiu no peito, de repente da boca saiu um lenço vermelho, outro verde, um amarelo, ainda mais um branco, outro preto, não paravam de sair de dentro da garganta o rapaz quase a vomitar nauseado pelos tecidos a raspar no palato, finalmente lenço roxo e lenço azul, quando tinha tudo nas mãos, tossiu todo arqueado com as costas tentando recuperar a respiração torta. fechou as mãos nos lenços e voou dali um pássaro azulzinho que nem Bukowski imaginava tão bonito, naquela luz do meio dia.

Edgar Ende (1901-1965) - Weihnachten (Das geborstene Pferd) Oil on Panel 1948 - Natal (O Cavalo rachado)