Bússola

Ânsia de beijos que beijos

são só por estarem os lábios

lado a lado e bocas –

precipícios da pureza

do vazio

repleto de figuras.

Beijos que agora vomito:

todos foram princípios

de outra vez

um verde manto vesti

para esquecer de mim.

– nojo ou horror,

antes desfazer do pudor:

rechaço o pecado no gozo.

Borboleta (2003)

Oh! Deus! Deixe-me ser borboleta

Para assim florescer sorrisos e enterrar lágrimas

Naqueles que não posso me aproximar

Pequena demais diante deste mundo,

A coragem deixa-se expandir,

Menos do que a curiosidade.

Amarei os rejeitados!

Pensarei nos fracos!

Falarei com os maiores errantes,

Mas antes sentirei  todas as angústias e ternuras.

A solução,

Desta que leva ao desespero a humanidade?

O amor.

Entre lágrimas e risos,

Perdas e vitórias,

Tanto como este frágil coração,

Acostumado, porém, não confortado com

Os olhares tão doces e opacos, esperançosos,

Por um dia de felicidade,

Abrigados debaixo das pontes

A fim de um dia alcançar;

O topo da montanha,

A linha do horizonte,

O paraíso dos céus,

A descoberta da felicidade,

Mesmo sendo essa encarada de maneiras diferentes,

É responsável pelas mais belas lágrimas,

Vitoriosas e humildes.

Neste dia então, agradecerei a Deus,

Por ter-me deixado ser borboleta!

A sacerdotisa e os monges

Quatro magos discutiam o mais valioso dos elementos, cada homem a representar um elemento, eles argumentavam à sua maneira:

- Ora, todos sabem que o fogo (levanta-se e fez um gesto forte elevando seus braços e demonstrando grandeza) é o mais poderoso de todos os elementos!

- Mas (sentado, levanta apenas o dedo indicador apontando para o céu) o ar pode encerrar a chama do fogo e, inclusive, sem a alimentação do oxigênio na combustão, não haveria fogo. 

- O que dizer sobre a força da terra (disse imóvel): ela nos dá o alimento. Sem ela, nada somos.

- E a água tudo integra, o fogo, o ar e a terra. 

Perdidos em suas próprias palavras e no enigma da natureza, veem uma mulher meditar na sala ao lado, quando param a discussão para tomar chá e café. Todos eles se espantam porque obviamente não esperavam ver um ser iluminado em momento de suas preces. Ficaram à porta, boquiabertos com a resposta que não se traduziria em palavras (não era a beleza que os estonteava, nem a pureza; pois os anos ensinaram que ambas eram ilusões mundanas) – mas o enigma ali lhes sussurrava:

- Há luz há tempos, há tanto mais.  

Obsalissa

Ela, quem anoitece e amanhece
outono e inverno
olho dentro e fundo
anda como se houvesse guerra
desacelera e suaviza o gesto

Ela, o silêncio, a dúvida
sabe o tanto que quer avesso
do que aparece na superfície
desfaz o espelho d’água
desvenda a pedra e o limo

Ela, o homem, a música;
gélido vulcão hibernando
olhos abertos, olhos fechados
sua transpiração produz sucos

Ela atrai os poetas cegos
e bebe seu todo sempre,
alimenta suas mentes, sementes brotam
e papoulas florescem absurdas

Ela, subterrânea; não é mãe -
convida virgens ao seu deleite,
àquela sensação extrema

Ela, quem anoitece e amanhece
cria tétricas ficções
(para ser livre) busca o que proíbem
as leis do medo e do pudor

uma bosta

         - não há conhecimento
  me pergunto se os homens podem se habituar a esta ideia;
 há quem leia foucault e até se masturbe pensando na verdade,

já deitaram sobre a merda da sua ignorância, depois de escorregar sobre suas pretensões? ou pensaram depois de dezenas de banhos que esta é a mentira e a ignorância, a própria merda que se exscreta sem querer - sem pensar? aquilo que existe como uma bolha nos dedos, uma espinha na cara; porque, me pergunto, por que se excitam estes que leem Hilda Hilst sem enfiar o braço no ralo para desentupir as ações diárias que se repetem com tanta harmonia, das ações diárias que colaboram para a manutenção da sociedade, ah! a sociedade; que coisa mais perfeita é a imperfeição dos homens, eles falam sobre Whitman e não se deitam na grama do parque da cidade! Nem mesmo no parque se deitam estas criaturas.
        se eu tivesse raiva sobre tudo isso, se eu me magoasse ainda; não estaria aqui, me edificando para ser uma bela de uma cagadora de prosa.
               mas se quiser, pode me beijar que eu gosto.

Fiódor condenado

          já a cabeça sob o capuz de execução
ф. ouve os cascos do cavalo noturno

a galope, sem carruagem relincha
em uníssono ao grito do mensageiro :

 Alto! o preço da vida é a liberdade .

pupurri

   (Como beijar uma mulher sem lhe tirar o batom)


   Cresci entre homens
   eu quase homem, ainda
      profundamente fêmea

   No fundo do âmago ruge

   uma mulher pequena
   me segurou com suas miúdas mãos
   e a delicadeza me ensinou dizendo
   Vamos tomar um suco

   não

   poderia beijar uma mulher
   sendo quase homem

   Então olhei a sua boca pintada
   e tremi

(Reflexão de mulher ao retrato,   

para Cecília Meirelles)   

Hoje   

Minha ambição estética é   

 mais máscara sem cílios   

ou olhos capitulares   

Minha ambição não é   

ser Miss Sempre   

ou paz universal   

Para sustentar a verdade   

em lábios sem tinta   

(guardo para as impressões o   

carimbo do meu corpo de palavras,   

tatuagens transparentes)   

Maquiagem nenhuma supera os olhos   

que Escrevem sem lápis   

as palavras delineadoras da nudez de agora 

E sem enfeites (escreva para contar à Clarice),   

a seriedade sorri dentes na sagacidade de existir   

Plenamente   

Nem jesus conheceu tal sorriso 
porque Madalena ainda arrependida 
e   

nem quando conversou com a tentação   

Através do espelho,   

as tintas desmascaravam   

a invenção de ídola da face   

uma atriz drag clown queen   

O carnaval desnuda   

 identidades.   

sou anônima;   

se assim é   

nada sou?   

zeligara

no clipe, @isamayaffrench