31/10/2016

ode ao não

eu nem compreendo ou incompreendo sou impiedosa e não ajuda o pintinho a sair do ovo olhos preocupados a lhe olhar a justiça acima da pena que voa no cadáver disputado por rápidas aves que saíram de ovos sem olhos piedosos rumores enquanto o paciente morre sem morfina é assim a natureza tudo compreendo mas odeio não a natureza mas o de não natureza que faz existir o não realizado assim como tristes olhos de pedido e igualmente tristes de piedade e a injustiça e incompreensão e ódio não, silêncio e repulsa como um nojo na garganta. o não serve tantas coisas quantas podemos criar e essa criação toda de tantas mãos cheias de olhos são ações de piedade de si, como se o ovo de dentro do ovo surgisse no meio de um afogamento debatendo se em desespero a lançar se uma corda a se desenrolar dentro do ovo como um labiríntico mapa de saída de emergência em incêndio. é assim que se começa a assombração da posse porque zelar por algo é ternura e firmeza em um equilíbrio tênue como essa mesma casca desse mesmo ovo. um ovo se quebra e fim. se nasce e também um fim. a negação de um ovo é ser chocado. assombrado. assustado, acolhido. a mãe não nega sua piedade. e o ovo precisa odiar negar sua mãe. quando nasce diz não. não porque aprendeu mas porque o ódio é imaturidade do ovo. essa furiosa paixão que chamam ódio - mudança: palavra tão delicada (a palavra quieta, que se diz somente pelo som do peito a ressoar um tambor eloquente).
a mãe sabe porque ela é piedosa. aqueles olhos tristes (tantos pares) dilatam se escuros para absorver toda alegria dessa flor forte e impiedosamente forte a ponto de ser terrivelmente maldosa e imoral: esse abraço não é uma ilusão, não é um afago fácil é a suspensão da pele fina que era o próprio corpo não é a mãe que expulsa os filhos do seu corpo são também os filhos que expulsam a mãe do seu não corpo sem tamanho esse mundo é um absurdo biológico, onde anda a moral agora que de novo é um fim.

https://www.youtube.com/watch?v=FnxfPBIbcek

2016

19/10/2016

Incólume

"Sobrevoaram o vasto hangar de chegadas e partidas interplanetárias, um mundo despovoado e alucinante, de construções gigantescas arredondas, encimadas de fusos brancos, as pontas espetadas lá longe, no espaço, maciças e fantasmagóricas, assentes na espectral luminosidade de invisíveis projetores." és um bicho bonito e eu venho habitar-te;

O Aquário, Alice Sampaio

Não me importo em saber como surge a paixão. mas ao ler outro que parece eu visto tais óculos que me fazem enxergar nítidas miragens alaranjadas que piscam a refletir meus pensamentos em um espelho que guardo na palma da mão.
piscam estes farois de luz agressiva eu você até a noite que já estava próxima. como abrem meus olhos a falta de luz meu tato abre-se como tentáculas ventosas, como couro de bicho.

o bicho que nasce na minha pele é você? não poderia ser meu...? E como ninguém fez questão de habitar tal bicho porque vê-lo dançar e correr e nadar é deixá-lo voar pela madrugada impertencente encontrar estrelas em outras dimensões tão simplesmente como tropeçaria se as pernas lhe fossem de quem espera; buscar é esperar sem nada por encontrar,
uma aventura real é ainda uma simulação de acidentes, o cálculo é aquém para aqueles que ultrapassam a si mesmos ao ultrapassarem-lhes o forte acaso.

-é na minha pele o bicho que nasce você
-eu
- não queremos ser salvos. aceitamos esta demente diversão de ver-nos a própria morte em cada passo imaginado dentro da pupila ruiva e escura da coruja que chamam Sapiência
- Sempre o retorno...
-se ao menos pudesse voltar às futuras possibilidades que não caminhei, uma outra viagem no mesmo caminho
- é sempre o mesmo caminho
- e sempre outra viagem
- e queremos ajuda
- sim e não
- não se pode entregar tudo nem abraçar tudo além do que cabe em seus braços na verdade não é mais possível, um abraço é um tesouro como um poema escrito em papel de seda há séculos guardado no escuro túmulo de algum rei e quando revelado fracionado instantaneamente como a fotografia que teve pressa
- na sala escura é o útero assim como a lua nova
- o putero
-útero
-o útero é outra dimensão não é exato um órgão por assim dizer feminino ele não pertence à mulher
- tirem seus úteros do meu rosário - seria um padre a dizer?
- pertence diante dos homens, diante dos homens o útero dentro do meu corpo pertence a ninguém mais do que a mim - e segurava a barriga com uma das mãos grávidas - diante do estado, diante da igreja, diante de todas as leis e da ciência, pertence a mim somente. ao lado de meu filho, de meus genitores, deste genitor feliz desta criança que nascerá, ao lado de meus amigos, de minhas irmãs, minhas amigas e de meus irmãos, diante do sol e das outras estrelas e diante da lua e de todos os bichos e plantas, pelas águas, pelas terras, pelos ares e pelo fogo, o meu útero é impertencente

Uma grande pausa foi ocasionada pelo horário do fechamento da eletricidade essencial para escrever no computador depois o start uma pequena chave dentro de uma caixa de sapatos cheia de chaves e tampas que iam virar instrumento musical como sinos e pequeno tamborins.
o bicho faz voltas ao redor de si quando se sente a caça
(novamente as grades douradas,)
tremeu o seu entendimento de bicho quando ao tentar um elogio o homem que parecia o homem que bateu em seus cachorros disse
-você parece um animal de zoológico
assim como o homem parecia outro homem pois são ambos homens aquele bicho parecia outro bicho porque animal nenhum é animal de zoológico apesar de ser o zoológico o lugar dos animais para uma antiga língua humana se fossemos estudar as palavras
(nada dizem as palavras)
 a mulher sentada em frente à jaula da onça via os seus olhos que outros viam os olhos fazem voltas
olhando aquela sala triste de obrigações a mulher lembrou-se quando era menina e estudava na igreja a catequese e sabia ler a bíblia como verdade e percebeu que as verdades de sua vida era como o livro de jó as cartas de amor não lhe emocionavam mas sim o amor lhe fazia chorar quando sentia verdade.  não era medo porque o homem que parecia o homem que bateu em seus cachorros era incapaz de bater (em cachorros).

a dimensão da lógica é pouca, estreita eu grito sobre essas frágeis paredes de alumínio e o meu sopro cria este fim a destruição dos óculos que me fazem enxergar nítidas miragens pois quero encher meus olhos de areia e ver deserto infinitamente árido


-GRITEM SE FOR PRECISO!

            Equação algébrica

            Falar em ouvidos outros ouvidos
            Vivo por viver
                    Pelo vivo viver
            Certeira ingenuidade
            (para a criação é preciso uma santa afirmação
             a criação é o bem e o mal, é preciso)
            minha?
            Ao menos você se ouça
            Esse inferno que criam olhos mentindo
            Qual a diferença entre tais portas?
            Algumas indizíveis
            Outras impassáveis além de sonhar passá-las
            Mesmo quando choro
            Mas quando choro sozinho
            Quer passar
            O riso quer
            E Sim!
            Palavras são idiotas.

Influenciáveis são os rios assim como a terra que lhes cercam as pessoas dizem acredito numa coisa sem se dar conta de quantas outras pessoas acreditam em tantas outras coisas. eu mesma cuspo na cara do amor que me alimenta sumo azedo da pitanga madura, os feitiços que lanço são os mesmo que me alcançam, os meus olhos somem nos seus olhos quando sumo aparecem dois
-a resposta está incompleta – o professor universitário tentava explicar polissemia reduzindo as obras à palavras

(como são estúpidas as palavras)

Acredito que não Acredito

por que sou um animal de zoológico e o que mais posso ser se não romper estas grades que protegem os outros de enfetiçarem-se sem olhos melhor viver cegar os próprios olhos de milagre de barro e então curar-se com água autonomamente

-eu não quero mais transar com você
-não é só sexo
-não é
-só
-não
-sexo

Se eu não mostro é meu?
Segredo
Erro
Mentira

trovejou

a natureza instaura toda verdade e nenhuma verdade. o caminho da sabedoria é esta infindável dança macabra, os pés sobre as brasas. suportar, encarar todo o não significado e todo significado ao traçar uma linha num papel, escrever palavra pós palavra e gestos e cores, ordenando o caos a desordenar-me em calma; o significado é escasso é monótono:
amor e ódio e paz e cólera e dia e noite e sim e não e todos os seus tons, variações da mesma coisa como as palavras feitas de sons e letras.
Amortecida de cansaço ouço o ruído da ventilação na plataforma do trem. O rio está igualmente amortecido diante de mim diante de toda essa fossa paulistana. Formigamento
-desculpa – comunicam-se as formigas quando se esbarram nos caminhos
-sobre o que fala o poema ? – o professor universitário insiste em tentar explicar para não aprender com seus alunos
Estes acadêmicos dissecam a poesia sem primeiro vê-la morta. Abrem-lhe com o bisturi sem coragem de mata-la primeiro e ficam todos insones ao ouvir estes gritos. Tenham cuidado com o amor, porra.
 (que mais posso amar senão o enigma?)
sim
Quero falar vou ensinar minha língua aqui sem me explicar eu vou me traduzir para filtrar esta água cheia de meus desejos e finalmente ver a transparência nas suas palavras nesta terra de ninguém que aqui proponho: (vejamos se é possível drenar os desenhos da imaginação a ponto de se tornar bebível um líquido cheio de microorganismos agigantados ou fumar um enrolado de folhas úmidas ou comida feito serragem)
Vou rascunhar para você acompanhar minha busca por um filtro legítimo, perceba este momento como quando o mágico lhe deixa analisar suas cartas –

Eu quem escrevo eu
Eu quem leio eu
primeiro
não me direciono a nada mais porém
quem a isto se atentar
é comigo amigo desta língua que invento
fala a minha língua
eu com você
decifram
o não dizer

Se existem bolas maciças de aço  e bombas a explodir no fundo do mar, assassinatos e massacres
Se existem cerâmicas e tecidos artesanais de seda


o silêncio obrigatório é sufocante mas quando não e é livre é livre até ser interrompido


zeligarah