17/12/2016

esculturas

O dia todo a fazer esculturas de areia
o sol toca na pele (a lua perfura
é isso e sem porque; quando na morte certa,
duas vezes certa é a vida

Nietzsche em solidão incompreendida
incompreendeu o amor de Salomé;
rizoma que não cessa de firmar
nascer e nascer e nascer (cíclico ser -

cortado o caule cortadas as raízes
nasce e renasce, ou seria um tipo de fruta de cera?
tinta em natureza morta e um bisturi esterilizado
numa operação cardiovascular de especialidade neurológica!

O outro dia, areia no chão - um mar de areia cansada
A Planta arquitetônica flor riscada em compasso
Pétala por pétala despedaçada por esquadros

Retangulares

O ofício infantil do castelo se refaz todo dia
enquanto vegetalmente se espreguiçam 
sem vergonhas em pedregosas ruínas medievais
e
na areia do sem tempo de todo oceano,
vadias as rasteiras crescem suas ramas sem flor: 

Raízes e caules, tantas pernas tantos braços...
Em fluxo, o floema.


Andy Goldsworthy, escultura de areia

31/10/2016

ode ao não

eu nem compreendo ou incompreendo sou impiedosa e não ajuda o pintinho a sair do ovo olhos preocupados a lhe olhar a justiça acima da pena que voa no cadáver disputado por rápidas aves que saíram de ovos sem olhos piedosos rumores enquanto o paciente morre sem morfina é assim a natureza tudo compreendo mas odeio não a natureza mas o de não natureza que faz existir o não realizado assim como tristes olhos de pedido e igualmente tristes de piedade e a injustiça e incompreensão e ódio não, silêncio e repulsa como um nojo na garganta. o não serve tantas coisas quantas podemos criar e essa criação toda de tantas mãos cheias de olhos são ações de piedade de si, como se o ovo de dentro do ovo surgisse no meio de um afogamento debatendo se em desespero a lançar se uma corda a se desenrolar dentro do ovo como um labiríntico mapa de saída de emergência em incêndio. é assim que se começa a assombração da posse porque zelar por algo é ternura e firmeza em um equilíbrio tênue como essa mesma casca desse mesmo ovo. um ovo se quebra e fim. se nasce e também um fim. a negação de um ovo é ser chocado. assombrado. assustado, acolhido. a mãe não nega sua piedade. e o ovo precisa odiar negar sua mãe. quando nasce diz não. não porque aprendeu mas porque o ódio é imaturidade do ovo. essa furiosa paixão que chamam ódio - mudança: palavra tão delicada (a palavra quieta, que se diz somente pelo som do peito a ressoar um tambor eloquente).
a mãe sabe porque ela é piedosa. aqueles olhos tristes (tantos pares) dilatam se escuros para absorver toda alegria dessa flor forte e impiedosamente forte a ponto de ser terrivelmente maldosa e imoral: esse abraço não é uma ilusão, não é um afago fácil é a suspensão da pele fina que era o próprio corpo não é a mãe que expulsa os filhos do seu corpo são também os filhos que expulsam a mãe do seu não corpo sem tamanho esse mundo é um absurdo biológico, onde anda a moral agora que de novo é um fim.

https://www.youtube.com/watch?v=FnxfPBIbcek

2016

19/10/2016

Incólume

"Sobrevoaram o vasto hangar de chegadas e partidas interplanetárias, um mundo despovoado e alucinante, de construções gigantescas arredondas, encimadas de fusos brancos, as pontas espetadas lá longe, no espaço, maciças e fantasmagóricas, assentes na espectral luminosidade de invisíveis projetores." és um bicho bonito e eu venho habitar-te;

O Aquário, Alice Sampaio

Não me importo em saber como surge a paixão. mas ao ler outro que parece eu visto tais óculos que me fazem enxergar nítidas miragens alaranjadas que piscam a refletir meus pensamentos em um espelho que guardo na palma da mão.
piscam estes farois de luz agressiva eu você até a noite que já estava próxima. como abrem meus olhos a falta de luz meu tato abre-se como tentáculas ventosas, como couro de bicho.

o bicho que nasce na minha pele é você? não poderia ser meu...? E como ninguém fez questão de habitar tal bicho porque vê-lo dançar e correr e nadar é deixá-lo voar pela madrugada impertencente encontrar estrelas em outras dimensões tão simplesmente como tropeçaria se as pernas lhe fossem de quem espera; buscar é esperar sem nada por encontrar,
uma aventura real é ainda uma simulação de acidentes, o cálculo é aquém para aqueles que ultrapassam a si mesmos ao ultrapassarem-lhes o forte acaso.

-é na minha pele o bicho que nasce você
-eu
- não queremos ser salvos. aceitamos esta demente diversão de ver-nos a própria morte em cada passo imaginado dentro da pupila ruiva e escura da coruja que chamam Sapiência
- Sempre o retorno...
-se ao menos pudesse voltar às futuras possibilidades que não caminhei, uma outra viagem no mesmo caminho
- é sempre o mesmo caminho
- e sempre outra viagem
- e queremos ajuda
- sim e não
- não se pode entregar tudo nem abraçar tudo além do que cabe em seus braços na verdade não é mais possível, um abraço é um tesouro como um poema escrito em papel de seda há séculos guardado no escuro túmulo de algum rei e quando revelado fracionado instantaneamente como a fotografia que teve pressa
- na sala escura é o útero assim como a lua nova
- o putero
-útero
-o útero é outra dimensão não é exato um órgão por assim dizer feminino ele não pertence à mulher
- tirem seus úteros do meu rosário - seria um padre a dizer?
- pertence diante dos homens, diante dos homens o útero dentro do meu corpo pertence a ninguém mais do que a mim - e segurava a barriga com uma das mãos grávidas - diante do estado, diante da igreja, diante de todas as leis e da ciência, pertence a mim somente. ao lado de meu filho, de meus genitores, deste genitor feliz desta criança que nascerá, ao lado de meus amigos, de minhas irmãs, minhas amigas e de meus irmãos, diante do sol e das outras estrelas e diante da lua e de todos os bichos e plantas, pelas águas, pelas terras, pelos ares e pelo fogo, o meu útero é impertencente

Uma grande pausa foi ocasionada pelo horário do fechamento da eletricidade essencial para escrever no computador depois o start uma pequena chave dentro de uma caixa de sapatos cheia de chaves e tampas que iam virar instrumento musical como sinos e pequeno tamborins.
o bicho faz voltas ao redor de si quando se sente a caça
(novamente as grades douradas,)
tremeu o seu entendimento de bicho quando ao tentar um elogio o homem que parecia o homem que bateu em seus cachorros disse
-você parece um animal de zoológico
assim como o homem parecia outro homem pois são ambos homens aquele bicho parecia outro bicho porque animal nenhum é animal de zoológico apesar de ser o zoológico o lugar dos animais para uma antiga língua humana se fossemos estudar as palavras
(nada dizem as palavras)
 a mulher sentada em frente à jaula da onça via os seus olhos que outros viam os olhos fazem voltas
olhando aquela sala triste de obrigações a mulher lembrou-se quando era menina e estudava na igreja a catequese e sabia ler a bíblia como verdade e percebeu que as verdades de sua vida era como o livro de jó as cartas de amor não lhe emocionavam mas sim o amor lhe fazia chorar quando sentia verdade.  não era medo porque o homem que parecia o homem que bateu em seus cachorros era incapaz de bater (em cachorros).

a dimensão da lógica é pouca, estreita eu grito sobre essas frágeis paredes de alumínio e o meu sopro cria este fim a destruição dos óculos que me fazem enxergar nítidas miragens pois quero encher meus olhos de areia e ver deserto infinitamente árido


-GRITEM SE FOR PRECISO!

            Equação algébrica

            Falar em ouvidos outros ouvidos
            Vivo por viver
                    Pelo vivo viver
            Certeira ingenuidade
            (para a criação é preciso uma santa afirmação
             a criação é o bem e o mal, é preciso)
            minha?
            Ao menos você se ouça
            Esse inferno que criam olhos mentindo
            Qual a diferença entre tais portas?
            Algumas indizíveis
            Outras impassáveis além de sonhar passá-las
            Mesmo quando choro
            Mas quando choro sozinho
            Quer passar
            O riso quer
            E Sim!
            Palavras são idiotas.

Influenciáveis são os rios assim como a terra que lhes cercam as pessoas dizem acredito numa coisa sem se dar conta de quantas outras pessoas acreditam em tantas outras coisas. eu mesma cuspo na cara do amor que me alimenta sumo azedo da pitanga madura, os feitiços que lanço são os mesmo que me alcançam, os meus olhos somem nos seus olhos quando sumo aparecem dois
-a resposta está incompleta – o professor universitário tentava explicar polissemia reduzindo as obras à palavras

(como são estúpidas as palavras)

Acredito que não Acredito

por que sou um animal de zoológico e o que mais posso ser se não romper estas grades que protegem os outros de enfetiçarem-se sem olhos melhor viver cegar os próprios olhos de milagre de barro e então curar-se com água autonomamente

-eu não quero mais transar com você
-não é só sexo
-não é
-só
-não
-sexo

Se eu não mostro é meu?
Segredo
Erro
Mentira

trovejou

a natureza instaura toda verdade e nenhuma verdade. o caminho da sabedoria é esta infindável dança macabra, os pés sobre as brasas. suportar, encarar todo o não significado e todo significado ao traçar uma linha num papel, escrever palavra pós palavra e gestos e cores, ordenando o caos a desordenar-me em calma; o significado é escasso é monótono:
amor e ódio e paz e cólera e dia e noite e sim e não e todos os seus tons, variações da mesma coisa como as palavras feitas de sons e letras.
Amortecida de cansaço ouço o ruído da ventilação na plataforma do trem. O rio está igualmente amortecido diante de mim diante de toda essa fossa paulistana. Formigamento
-desculpa – comunicam-se as formigas quando se esbarram nos caminhos
-sobre o que fala o poema ? – o professor universitário insiste em tentar explicar para não aprender com seus alunos
Estes acadêmicos dissecam a poesia sem primeiro vê-la morta. Abrem-lhe com o bisturi sem coragem de mata-la primeiro e ficam todos insones ao ouvir estes gritos. Tenham cuidado com o amor, porra.
 (que mais posso amar senão o enigma?)
sim
Quero falar vou ensinar minha língua aqui sem me explicar eu vou me traduzir para filtrar esta água cheia de meus desejos e finalmente ver a transparência nas suas palavras nesta terra de ninguém que aqui proponho: (vejamos se é possível drenar os desenhos da imaginação a ponto de se tornar bebível um líquido cheio de microorganismos agigantados ou fumar um enrolado de folhas úmidas ou comida feito serragem)
Vou rascunhar para você acompanhar minha busca por um filtro legítimo, perceba este momento como quando o mágico lhe deixa analisar suas cartas –

Eu quem escrevo eu
Eu quem leio eu
primeiro
não me direciono a nada mais porém
quem a isto se atentar
é comigo amigo desta língua que invento
fala a minha língua
eu com você
decifram
o não dizer

Se existem bolas maciças de aço  e bombas a explodir no fundo do mar, assassinatos e massacres
Se existem cerâmicas e tecidos artesanais de seda


o silêncio obrigatório é sufocante mas quando não e é livre é livre até ser interrompido


zeligarah

21/09/2016

abelha

Preciso esperar A caneta é o instrumento de modelar esses rabiscos que imagino Se fosse grécia ou áfrica eu seria completamente instrumento dessas imagens que imagino eu mesma seria completamente uma imagem de maneira que seria completamente sólida assim como uma árvore se digo árvore é uma coisa de textura e tem folhas. dizem que enxergam imagens nestes textos que desenho como as crianças na escola que desenham em folhas vazias as engenharias e filosofias que na universidade tentam compreender os doutores coitados de leituras agonizantes; esta plataforma em que escrevo, porém nem uso caneta, nem papel. esta plataforma é a virtualidade de tudo que existe de fato, aquela árvore aqui não tem textura, nem cor, nem é atingida pelo vento. esta é a plataforma onde todas as estrelas caem, apagam, onde as esculturas de mármore se despedaçam, esta é a plataforma imensa de palavras frias
uma máscara branca
aceno para o diabo que vigia a minha rua onde moro
hoje
a minha cabeça doeu e depois meus ouvidos
depois lembrei que estou sangrando há dois dias, porque enfiei minhas mãos na terra molhada depois da chuva que a lua molhada viu na terra cheia
e lá
encontrei ossos tão grandes como se fossem de boi daqueles ossos que vão dentro de caminhão virar gelatina esperando os quinze minutos do caminhoneiro que toma um sorvete no mc donalds
olhei pra este caminhão e vi essas imagens que escrevo tantos anos depois porque nada é imediato tanto quanto o silêncio
no entanto eu também sou um balão que me encho desse silêncio até que transformo espanto em pássaro
não
uma borboleta ou ainda uma abelha que depois ainda descobre este trabalho na terra quando cheia de flor faz mel coletivo que é mesmo uma hóstia uma oferenda é um trabalho que a abelha oferece para quem tem coragem de estar perto de si
deus mora dentro de uma colmeia
eu moro hoje
nessa rua que o diabo vigia com os olhos de homem velho usando um chapéu preto
a rua cheia de sombras bonitas tipo um caixote de madeira feito de hastes tortas projeta luz pelo meio da sua tortura e é quase um pequeno anjo
e quando o corpo é todo o lugar que os pés pisam? e todo o lugar que pisaram
quando o corpo é tão cheio que eu precisaria dizer para alguém:
eu preciso de um instrumento
vivo numa cidade e é como se eu morasse dentro do rio tietê dentro de um escafandro amarelo porque olham para mim como se soubessem que eu tenho dentro do meu peito uma abelha, toda uma colmeia, uma nuvem cheia de amarelo vibrante zunindo alto e pensam que é ameaça mas não sabem que quando a abelha ferroa toda ela morre?
eu quero ser instrumento
quando digo olhos são olhos cheios de canais ópticos, toda sua biologia e física tudo e quando digo mãos são essas mãos de dedos de palmas quando digo ouvidos são um canal e um tambor que é chamado tímpano, quando eu digo cabeça é um grande mistério para a ciência mas todos sabem onde ficam a cabeça e os pés e todos procuramos mantê-los em seus devidos lugares assim não ficamos sem a lógica
consciência é maior que o lugar das coisas
contorciono-me porque o lugar é onde as coisas se escondem toda organização é uma cena
até as organizações consolidadas pelo tempo
as cordilheiras, a trompa do elefante, a dama da noite na noite
as cambalhotas que rodopio, as contorções deste corpo que proporciono desde os olhos até sua coluna vertebral, passando por todos os órgãos e principalmente útero, mas também estômago, cérebro, o sistema imunológico todas as plaquetas e hemácias até cada osso deste corpo torce e rodopia para que o lugar não seja uma cadeira que afunda diretamente para o conforto inerte, este é o lugar que aprisiona todo o corpo com amarras tão sutis quanto teias de aranha; eu não permito este tipo de acomodação porque eu não suporto uma cena eternizada como uma fotografia comprada em porta-retrato; o meu corpo é uma nuvem de abelhas não sei se se move pelo vento ou se é o vento que se move por si mas não
moro dentro de mim
preciso procurar todos os ossos
debaixo da chuva na terra cheia de sangue vivo
acima da lua verde e do roxo céu cheio de nuvem
no meu peito abre-se um buraco tal qual esta não porta que é o não segredo de onde se guarda o mel no meio da morte.

zeligarah

18/08/2016

ingenuidade

Existe uma linha que termina onde eu sou. Compasso arbitrário da razão, elasticidade perceptiva, material esponjoso é o recife de corais que separa o que é mar e o que é rio. A nado procuro ultrapassar o que parece ser uma restrição de covardia. Imprudente, ingênua ou corajosa mas inocente, não. Preguiçosa mas não passiva.

Sou inteira e nesta geografia os rios parecem contradizer a terra até que se compreendem como uma paisagem, habitat de animais, tantas partes, tantas mortes e a vida prevalece. Um amor não é a história que se conta, é o que morreu e existiu, não é verbo infinitivo amar, só é presente e é passado, futuro de amor é morte e futuro de morte, vida.

Os erros se acertam como a água que despeja livre no ar e toma o formato do copo. E depois dentro do corpo, gole a gole, se distribui onde é necessária. Existe um sentimento engraçado com um amor que passou, mais até do que saudade é como se eu quisesse agradecer.

Na vida de uma mulher o amor é uma pequena pedra. Nesta complexa geografia, não é uma montanha difícil de descobrir nem mesmo um precipício medonho, é um acidente. Uma lasca de rocha, um minério esquecido debaixo da terra. Embora seja pequena, uma pedra. A montanha é o amor de si, o precipício é a mulher não abdicar e sobretudo amar-se.

Eu sei que sou a mesma terra que desagua em mim rio mar areia vento e fogo fenomenal ainda assim sou também olhos que fotografam essa paisagem como sendo parte da paisagem esses olhos são e não são. Olhos que cortam as linhas e criam ilusões e também aprendem, através das lentes, quais linhas não são e podem ser quais todas as linhas que podem ser, podem ser, podem ser, podem ser ser mar e ser rio e céu ser cais e lua sol e pilares conchas e outras imagens repetidas de sonho.

Agosto é um mês grave. Talvez janeiro seja mais agudo, estridente. É o inverno, na verdade, perturba a resistência, as plantas se recolhem. Se contorcem, desistem. Dá vontade de seguir a natureza, no meio dos prédios a natureza é pouca. Eu, no entanto, sou inteira. Sou urbana mas não quero ser. Consigo ser natureza. Consigo muito mais, porque eu seria cimentada? 

Tomo um chá, me acalmo, ouço música. Ainda preciso despertar. 5h43 é muito cedo. As coisas não são minhas mas estar ao redor de coisas é importante para se tornar adulta. Nego as coisas, quero pouco, sou pouca, sou inteira. Sou comum. Uma sombra de mim é o que acham de mim, na indefinição da falta de luz dessa imagem eu sou, indefinida, falta, luz, imagem, sou, achem.

Sou desacreditada da minha verdade que é dizer palavras e escrever imagens porque nunca escrevi uma palavra de verdade. Palavra de imagem. O momento é extenso, a paisagem é um pouco desejo do olho de ver mais, de ser mais, de engolir o que não é, e

zeligarah