30/10/2014

geleia de água doce

meus olhos ouvem atentamente a música a se desenhar tranquilamente em meu corpo. ela traça linhas circulares ligando todas as minhas experiências minhas infâncias e minha velhice que rodopiam todas juntas num cinema invisível. Sinto tanta saudade. essa música despeja tinta vermelha nas minhas veias claras, torna vermelho o meu sangue falsificado, torna os meus olhos num arco-íris difuso, torna minhas mãos em ondas vacilantes que dançam quietas o ritmo cobiçado da minha existência cambaleante; essa música me faz lembrar de todo o passado que não vivi e transpõe nesse presenteado momento que está distante de toda cronologia matemática a distância ela mesma; essa música me lembra de respirar lentamente, me faz querer me embriagar de ar, de água; que inunde minhas células e que elas implodam num êxtase de imensa inspiração; que regue minha sede; que me banhe e refresque a pele quente; que me consagre neste ordinário momento que tento prolongar em palavras E de repente Toda a água me envolve, a primeira gota como lágrima e agora mergulho nessa profunda poesia e me esqueço novamente de que preciso respirar. a água me alimenta como àqueles seres que são exclusivamente marinhos e vivem de filtrar a água. pois essa água que me emerge é uma água claríssima, transpassada pela luz do sol, é uma água sólida, é uma montanha de água, é uma clareira líquida, é mercúrio translúcido, da mais sinuosa densidade e ainda assim não é uma água pura. nela nadam tantos elementos químicos e pequenas vidas que preciso abrir os meus poros como quem abre a porta de casa para que entrem pessoas queridas; pois quando a água entrar e também todas as pequenas vidas que ali vivem, eu vou olhar bem para cada pequena coisa, vidas e mortas, e catá-las uma a uma como amoras. depois vou juntar todas, lavá-las bem (porque ainda que eu tenha olhado bem meus olhos são falhos) e cozinhá-las por horas e horas para fazer um doce de comer com pão na manhã.

Mark Mawson