21/09/2016

abelha

Preciso esperar A caneta é o instrumento de modelar esses rabiscos que imagino Se fosse grécia ou áfrica eu seria completamente instrumento dessas imagens que imagino eu mesma seria completamente uma imagem de maneira que seria completamente sólida assim como uma árvore se digo árvore é uma coisa de textura e tem folhas. dizem que enxergam imagens nestes textos que desenho como as crianças na escola que desenham em folhas vazias as engenharias e filosofias que na universidade tentam compreender os doutores coitados de leituras agonizantes; esta plataforma em que escrevo, porém nem uso caneta, nem papel. esta plataforma é a virtualidade de tudo que existe de fato, aquela árvore aqui não tem textura, nem cor, nem é atingida pelo vento. esta é a plataforma onde todas as estrelas caem, apagam, onde as esculturas de mármore se despedaçam, esta é a plataforma imensa de palavras frias
uma máscara branca
aceno para o diabo que vigia a minha rua onde moro
hoje
a minha cabeça doeu e depois meus ouvidos
depois lembrei que estou sangrando há dois dias, porque enfiei minhas mãos na terra molhada depois da chuva que a lua molhada viu na terra cheia
e lá
encontrei ossos tão grandes como se fossem de boi daqueles ossos que vão dentro de caminhão virar gelatina esperando os quinze minutos do caminhoneiro que toma um sorvete no mc donalds
olhei pra este caminhão e vi essas imagens que escrevo tantos anos depois porque nada é imediato tanto quanto o silêncio
no entanto eu também sou um balão que me encho desse silêncio até que transformo espanto em pássaro
não
uma borboleta ou ainda uma abelha que depois ainda descobre este trabalho na terra quando cheia de flor faz mel coletivo que é mesmo uma hóstia uma oferenda é um trabalho que a abelha oferece para quem tem coragem de estar perto de si
deus mora dentro de uma colmeia
eu moro hoje
nessa rua que o diabo vigia com os olhos de homem velho usando um chapéu preto
a rua cheia de sombras bonitas tipo um caixote de madeira feito de hastes tortas projeta luz pelo meio da sua tortura e é quase um pequeno anjo
e quando o corpo é todo o lugar que os pés pisam? e todo o lugar que pisaram
quando o corpo é tão cheio que eu precisaria dizer para alguém:
eu preciso de um instrumento
vivo numa cidade e é como se eu morasse dentro do rio tietê dentro de um escafandro amarelo porque olham para mim como se soubessem que eu tenho dentro do meu peito uma abelha, toda uma colmeia, uma nuvem cheia de amarelo vibrante zunindo alto e pensam que é ameaça mas não sabem que quando a abelha ferroa toda ela morre?
eu quero ser instrumento
quando digo olhos são olhos cheios de canais ópticos, toda sua biologia e física tudo e quando digo mãos são essas mãos de dedos de palmas quando digo ouvidos são um canal e um tambor que é chamado tímpano, quando eu digo cabeça é um grande mistério para a ciência mas todos sabem onde ficam a cabeça e os pés e todos procuramos mantê-los em seus devidos lugares assim não ficamos sem a lógica
consciência é maior que o lugar das coisas
contorciono-me porque o lugar é onde as coisas se escondem toda organização é uma cena
até as organizações consolidadas pelo tempo
as cordilheiras, a trompa do elefante, a dama da noite na noite
as cambalhotas que rodopio, as contorções deste corpo que proporciono desde os olhos até sua coluna vertebral, passando por todos os órgãos e principalmente útero, mas também estômago, cérebro, o sistema imunológico todas as plaquetas e hemácias até cada osso deste corpo torce e rodopia para que o lugar não seja uma cadeira que afunda diretamente para o conforto inerte, este é o lugar que aprisiona todo o corpo com amarras tão sutis quanto teias de aranha; eu não permito este tipo de acomodação porque eu não suporto uma cena eternizada como uma fotografia comprada em porta-retrato; o meu corpo é uma nuvem de abelhas não sei se se move pelo vento ou se é o vento que se move por si mas não
moro dentro de mim
preciso procurar todos os ossos
debaixo da chuva na terra cheia de sangue vivo
acima da lua verde e do roxo céu cheio de nuvem
no meu peito abre-se um buraco tal qual esta não porta que é o não segredo de onde se guarda o mel no meio da morte.

zeligarah